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Thursday, May 15, 2008

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Salzburgo, 1769
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Minha cara jovem,
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Eu imploro que me perdoe por tomar a liberdade de lhe escrever estas poucas linhas, mas como a senhorita disse ontem, não há nada que não possa entender em latim, e eu posso escrever o que quiser nessa língua, pelo que não pude resistir ao ousado impulso de lhe escrever algumas linhas. Quando a senhora tiver decifrado estas, seja bondosa e mande a resposta por um dos criados de Hagenauer, pois o meu mensageiro não pode esperar; lembre-se, a senhorita deve responder por este meio.
Cuperem scire, de qua causa, a quam plurimis adolescentibus ottium usque adeo oestimetur, ut ipsi se nec verbis, nec verberibus ad hoc sinant abduci.*
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Wolfgang Mozart
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(Mozart a destinatária anónima)

* Gostaria de saber o motivo de o ócio ser tão valorizado pelos jovens, que dele não abdicarão com palavras ou golpes
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Paris, ce 30 août.
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C'est après une nuit orageuse, et pendant laquelle je n'ai pas fermé l'oeil; c'est après avoir été sans cesse ou dans l'agitation d'une ardeur dévorante, ou dans l'entier anéantissement de toutes les facultés de mon âme, que je viens chercher auprès de vous, Madame, un calme dont j'ai besoin, et dont pourtant je n'espère pas pouvoir jouir encore. En effet, la situation où je suis en vous écrivant me fait connaître, plus que jamais, la puissance irrésistible de l'amour; j'ai peine à conserver assez d'empire sur moi pour mettre quelque ordre dans mes idées; et déjà je prévois que je ne finirai pas cette Lettre, sans être obligé de l'interrompre. Quoi ! ne puis-je donc espérer que vous partagerez quelque jour le trouble que j'éprouve en ce moment? J'ose croire cependant que, si vous le connaissiez bien, vous n'y seriez pas entièrement insensible. Croyez-moi, Madame, la froide tranquillité, le sommeil de l'âme, image de la mort, ne mènent point au bonheur; les passions actives peuvent seules y conduire; et malgré les tourments que vous me faites éprouver, je crois pouvoir assurer sans crainte, que, dans ce moment même, je suis plus heureux que vous.
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Lettre XLVVIII, du Vicomte de Valmont à la Présidente Tourvel, in Les Liaisons Dangereuses, Laclos
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Fragonard. La lettre d'amour, 1770
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laissez-faire, laissez-passer
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A sociedade do século XVIII dividia-se entre uma burguesia de poder crescente e uma aristocracia negligente voltada para os prazeres imediatos.
Galante. Cortês. Afectado. Era este o narcísico público a satisfazer, e os motes, a diversão e o prazer, numa tentativa desesperada de enganar o efémero. É o século de velados jogos e (dis)simulações, da máscara empoada e da fantasia. Epistolares enleios.

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Fragonard. Le baiser volé, 1780
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Mimesis do quotidiano de uma sociedade que se afasta do real, e passa a imagem da tranquilidade e bem viver, fazendo da natureza um lugar idílico e repousante. Uma natureza que observa o Homem com condescendência, sabendo-se, ela, senhora da vida. E o Homem acredita num mundo belo, harmonioso e divertido, afastadas que são as imagens da morte e decadência. Dissimulado cansaço, dissimulada desesperança. As cabeças são trabalhosos empoados, os rostos ostentam uma saúde vinda de um rouge forçado. Pretensa inesgotável festa.
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Fragonard. L'escarpolette, 1767
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E porém, este é, ainda, o século das Luzes. Da igualdade. Da liberdade. Liberté. Égalité. Fraternité. Dita a Revolução. Paradoxais tempos. Tempo de máscara, tempo de iluminação. Porque do caos também se faz ordem, ordena-se o mundo, na desordem. Busca-se o conhecimento. Experimenta-se.
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Delacroix. La liberté guidant le peuple, 1830
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Busca incessante. De Luz. Da razão. Do saber.
Recherche du Temps
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Les Liaisons Dangereuses, de Laclos, reproduz, nas letras, este universo. A linguagem a dizer o fingimento. O espelho que não devolve a imagem, mas a ilusão. A vida é metáfora. Baile de Máscaras. Minueto.
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Giandomenico Tiepolo. Minuet, 1756
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A música é jogo de representação, mise-en-scène.
A dança é volteio.
A pintura é ronronar de seda e tafetá.
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A arte do século XVIII é mise-en-scène. Mozart, Fragonard, Laclos são a contemplação da beleza, joie de vivre, fantasistas, elegantes.
Visuais, visionários e virtuosos.
Rostos da paixão. Domínio poético.
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Fragonard. La rencontre, 1771-3
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Mozart, Fragonard, Laclos... todos três buscaram a perfeição, a superação de si mesmos, e com estas a eternidade. Sem dúvida a conseguiram, não o eterno elixir, quinta-essência, pedra filosofal. Mas o sem limite. E sim, rasgaram as amarras de si mesmos. Até nós. Para além de nós.
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Mozart, Requiem
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Jean-Honoré Fragonard (1732-1806)
Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803)
Wolgang Amadeus Mozart (1756-1791)
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2 comments:

Anonymous said...

Que dizer...perante este belo trabalho?

Mozart...Fragonard....Laclos....

"As paixões, violentas ou não, nunca se devem exprimir ao ponto de causar desgosto; e a música, mesmo nas situações de maior horror,nunca deve ser dolorosa ao ouvido, mas antes agradar-lhe, e assim permanecer eternamente, sempre, música" (W.A.Mozart)

Mozart...Fragonard....Laclos....

Pensar nestes três Homens, remete-nos imediatamente para três palavras:

Sedução, Revolta, Malícia.

Fragonard morreu na miséria, tal como Mozart, incapaz de se adaptar à "moda" NeoClássica, ele, representante por inteiro do RoCoCo que o impusera.

Mozart...Fragonard....Laclos....

"Amadeus"..."Ligações Perigosas"...ou de como o Cinema, outra Arte, soube mostrar a Sedução, Revolta e Malícia, de uma forma inesquecível e complementar.


Este post é do melhor que vi.

Shake Speare

Flying words said...

O cinema, potencial de tecnologia, novos meios, outros modos de dizer. Uma arte a lembrar outras artes, a enaltecê-las, a dar-lhes nova vida.



Mozart, Fragonard, Laclos
=
Sedução, Revolta, Malícia

sim, excelente.



Obrigada