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Friday, May 9, 2008

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Gostaríeis de ouvir, senhores, uma belíssima história de amor e de morte?
Falo da história de Tristão e Isolda, a rainha. Escutai como, entre grandes alegrias e grandes penas, os dois se amaram e morreram no mesmo dia, ele por ela e ela por ele. O relato dos seus amores espalhou-se pela verde Irlanda e pela selvagem Escócia, repetiu-se por toda a Ilha de Mel, da muralha de Adriano até à ponta do Lagarto, ecoou pelas margens do Sena, do Danúbio e do Reno, encantou a Inglaterra, a Normandia, a França, a Itália, a Espanha, a Boémia, a Dinamarca e a Noruega. A sua memória durará enquanto houver mundo.
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Abertura de Tristão e Isolda
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A música desperta o eu essencial, que se projecta em expressões artísticas. Prestidigitadora, é a pedra que se molda em melodiosas esculturas, são as tintas que se associam em magia de movimento, as palavras harmonizando-se em jogos de musicalidade, ou o corpo em desempenhos de malabarismo. Inspiradora, a música é a musa de todas as artes.

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Da matéria bruta, pedra tinta palavra, eis que, talhada, retirados os excessos, surge a harmonia. Todas as artes são musicais, e porque musicais têm tanto de intimistas quanto são dadas a excessos.
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A Ópera, misto de poesia e tragédia, representação e movimento, música e voz, cenografia e jogos de luzes, é música, literatura, teatro, dança e canto. Encanto.

Temperamental contadora de histórias, representa as palavras, em efeito teatral, pinta quadros emocionais.

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Ingres. O compositor Cherubini e a Musa da poesia lírica, 1842
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Por detrás da Ópera/espectáculo há um texto escrito, uma narrativa, literatura, que se articula com a música, e esta, por sua vez, serve a escrita, em intemporais e históricos heróis, Ésquilo, Ovídio, Shakespeare, Goethe, Beaumarchais, Pushkin...
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Os compositores sempre reconheceram quanto os libretistas eram importantes, desenvolvendo relações de grande cumplicidade.
Desde Orpheu, o mais talentoso poeta e músico, filho de Calíope e senhor da lira de Apolo, que fazia curvar as árvores e parar o voo dos pássaros, arquétipo da música, nascimento humanista, que inspirou vários libertistas, ou Artaxerxes, de Pietro Metastasio, libertista mais famoso do século XVIII, usado mais de cinquenta vezes por diferentes compositores, à complexa La Clemenza di Torquemada.


A Ópera encanta porque desperta emoções e estados de alma diversos. Acrobatas, malabaristas, camponeses e artistas, fidalgos e populaça. Risos choros, paixões ódios, lealdades traições, honra embuste, desfilam em harmonioso canto, explorando emoções e paixões.

..............................................................................................................................................Rodin. Orfeu e Eurídice (detalhe)
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François Girardon & Thomas Regnaudin. Apolo servido pelas ninfas, 1666
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Um dia, há muito tempo tive um sonho. Sonhei que formaria o melhor coro da História. Nesse sonho, as estátuas deste recinto ganhavam vida e, uma a uma, caminhavam até à estufa do pátio. A cada uma que entrava, eu dava vida. Então a estátua cantava com uma voz mágica e angelical. Quando esgotei as duzentas estátuas, o meu coro estava completo. Era um coro de vozes puras, libertas do seu latejo mortal, para sempre vivas…
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Fernando Trías de Bes. O Coleccionador de Sons, história de uma maldição.

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Iniciada em 1653, La Clemenza di Torquemada é obra a seis mãos, que começa por ser ser escrita por Monteverdi e Busenello. Com a morte de Monteverdi, o manuscrito fica guardado no Vaticano. Cem anos depois, Metastasio compõe um libreto para Vivaldi, que começa por escrever a partitura, deixando-a incompleta pois ausenta-se para Veneza. Bach conclui-a, junto com Da Ponte, que, por sua vez, a modifica pois possuía a antiga partitura de Monteverdi, incluindo parte desta. Diz-se que Wagner pensou destruí-la para que não ensombrasse o seu trabalho, pois achava-a belíssima.
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Pietro Metastasio (1698- 1782), o libertista mais famoso do século XVIII, trabalhou na corte de Viena. Escreveu para Vivaldi, Handel, Mozart, Gluck e Meyerbeer.
Carlo Goldoni (1707-1793) é o maior dramaturgo cómico italiano da época, libertista e autor de peças teatrais, reforma o teatro, criando personagens reais e rejeitando os estereótipos. Escreveu para teatros de Veneza até ser nomeado, em 1762, director da Comédie Italienne em Paris. Escreveu mais de 150 peças e 80 libretos, alguns com música de Mozart e Haydn.
Lorenzo da Ponte (1749-1838) colaborou com Mozart [Les Noces di Fígaro, Don Giovanni, Così fan Tutte], Salieri, Vicente Martín e Peter Winter.
Eugène Scribe (1791-1861) é o principal libretista, em França, no século XIX, criador de quase sessenta libretos para óperas dirigidas à classe média. Escreveu para Rossini, Donizetti, Bellini, Daniel Auber, Meyerbeer e Verdi.
Francesco Maria Piave (1810-1876) [Macbeth, Rigoletto e La Traviata] e Arrigo Boito (1842-1918) [Otello e Falstaff] foram os libretistas mais importantes de Verdi.
Wagner (1813-1883) muda a história da ópera escrevendo os seus próprios libretos, fundindo música palavras e acção. Assim também Janácek (1854-1928).
No final do século, Giuseppe Giacosa (1847-1906) e Luigi Illica (1857-1919) escreveram em conjunto os libretos de Puccini ( La Bohème, Tosca e Madama Butterfly)
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3 comments:

Anonymous said...

"É do libretista que, em grande parte, depende o êxito da composição. Para se ser bom libretista não basta possuir os dotes que provêm de uma imaginação fecunda; necessários são conhecimentos especiais de música, técnica teatral, coreografia, folclore, rítmica e até literatura e norfologia musical".(1)

"What a joy is to compose music to a language of convention, almost of ritual, the very nature of which imposes a lofty dignity! One no longer feels dominated by the phrase, the literal meaning of words...The text thus becomes purely phonetic material for the composer. He can dissect it at will and concentrate all his attention on its primary constituent element - that is to say the syllable" (2)

"The theater has its own laws, statutes and conventions which, in more than one way, conflict with the methods of music. In this context of two arts which are associated in order to produce one and the same effect, the task of balancing their prerogatives, regulating the sacrifices which they must take reciprocally, and pronouncing betweeen them a pact of union from which the perfection of the performance results - this is the most difficult task we have to fulfill" (3).

Peço desculpa pela extensão do comentário, mas não consegui encontrar melhor maneira, face à beleza e interesse do tema.

Obrigado.

(1) Tomás Borba, Fernando Lopes-Graça in "Dicionário da Música".
(2) Stravinsky
(3) Michel de Chabanon in "De la Musique considerée en elle-même et dans ses rapports avec la parole, les langues, la poésie et le théatre".


Shake Speare

Flying words said...

Procurando responder, na senda das três citações, um libretista é um ser completo, senhor de saberes vários, da técnica, da emoção e do prazer.
Ciente de que cada sílaba não é à toa nem em vão, rasga convenções respeitando os valores. Faz teatro. Procurando tirar o máximo partido da aprendizagem do Homem, dignificando-o.
Porque a representação é força humana, palavra travestida.

Obrigada :)

Leonardo T. Oliveira said...

Você sabe mais sobre a origem de La Clemenza di Torquemada? A história foi divulgada primeiro com um texto em um fórum de discussões na internet, e depois republicada e revisada pelo autor recentemente aqui: http://euterpe.blog.br/historia-da-musica/la-clemenza-di-torquemada