myspace layouts

Saturday, May 24, 2008

.
.
.
.
Eu te faço jurar pelos céus, pela terra, pela luz e pelas trevas;
.
Eu te faço jurar pelo fogo, pelo ar, pela terra e pela água
.
.
.
Juramento alquímico
.
.
.

Heinrich Khunrath. The First Stage of the Great Work, ou Alchemist's Laboratory,

in Amphitheatrum Sapientiae Aeternae, 1595

.
.
.
Alquimia, a ciência dos elementos.
Fausto, o sábio alquimista desalentado. Solitário. Atormentado. Sem rumo. Entre a magia, a medicina e a teologia. Ausente de luz.
Fausto tentado por Mefistófeles, demónio iluminista sem cauda ou cheiro de enxofre.
.
.
.
.
Tentado, desde os vinte anos, pela lenda de Fausto, Berlioz compõe a música para oito cenas da obra de Goethe, escrita em 1808. Romântico hino de amor, La Damnation de Fauste é apresentada como concerto em 1846, e encenada em 1893.
Para a mesma personagem, Delacroix produz uma sequência de várias litografias.
.
.
.

.
.
.
.
.
Foi durante a viagem à Austria, Hungria, Boémia e Silesia que comecei a compor a minha lenda de Fausto, plano que havia ponderado longamente. (…) Pretendia incluir no novo trabalho, os fragmentos da tradução de Fausto de Goethe, por Gérard de Nerval, que eu já havia musicado vinte anos antes (nas Huit scènes de Faust). Durante a viagem na velha carruagem do comboio alemão, tentei escrever os versos indicados para a minha música. Comecei com a invocação da natureza de Fausto, sem pretender traduzir ou mesmo imitar a obra-mestra de Goethe, apenas procurar nela inspiração, e dela extrair a substância musical que ela continha. Escrevi o seguinte excerto, que me deu a esperança de que eu poderia conseguir escrever o resto,
.
.
.


Nature immense, impénétrable et fière!
Toi seule donnes trêve à mon ennui sans fin!
Sur ton sein tout-puissant je sens moins ma misère,
Je retrouve ma force et je crois vivre enfin.
Oui, soufflez ouragans, criez, forêts profondes,
Croulez rochers, torrents précipitez vos ondes!
A vos bruits souverains, ma voix aime à s’unir.
Forêts, rochers, torrents, je vous adore! mondes
Qui scintillez, vers vous s’élance le désir
D’un cœur trop vaste et d’une âme altérée
D’un bonheur qui la fuit.
.
.
Hector Berlioz. Memoires, chapitre 54
.
.
A lenda de Fausto
inspirou
tanto escritores
quanto pintores
e compositores
e une Berlioz, Delacroix e Goethe.
A primeira Trindade.

Goethe concede o mote. Delacroix adita a imagem. Berlioz provê a música.
.
.
.
.
Eugène Delacroix.
Faust dans son cabinet, 1828
........................................................... Eugène Delacroix.
........................................................Méphistophélès apparaissant à Faust, 1828
.
.
.
Le vieil hiver a fait place au printemps;
La nature s’est rajeunie;
Les cieux la coupole infinie
Laisse pleuvoir mille feux éclatants.
Je sens glisser dans l’air la brise matinale;
De ma poitrine ardente un souffle pur s’exhale.
J’entends autour de moi le réveil des oiseaux,
Le long bruissement des plantes et des eaux.
Oh! qu’il est doux de vivre au fond des solitudes,
Loin de la lutte humaine et loin des multitudes!
.
.
.
FAUST, Plaines de Hongrie (seul dans les champs au lever du soleil). Scène I
.
in La Damnation de Faust, Hector Berlioz, segundo o Fausto de Johann Wolfgang von Goethe.
.
.
.
.
Delacroix. La mer à Dieppe, 1852
.
.
.
Cor. Abandono ao prazer da luz, brilho, reflexo.
Paixão e sonho, o Romantismo francês, movimento burguês, contrário ao racionalismo anterior, enjeita a objectividade e centra-se nas emoções interiores.
O homem romântico, sentimental e sonhador, é um eterno insatisfeito, hiperboliza sentimentos e emoções.
O eu é o motor do seu espírito. Um eu que se encontra com a natureza, misteriosa, protectora, essência e essencial. Culto da solidão e evasão. Fuga. Mal du siècle.
.
.
.
.
Si donc… quelqu’un demande [au poète] à quoi bom ces Orientales? qui a pu inspirer de s’aller promener en Orient pendant tout un volume? que signifie ce livre inutile de pure poésie, jeté au milieu des préoccupations graves du public? où est l’opportunité? à quoi rime l’Orient?... Il répondra qu’il n’en sait rien, que c’est une idée qui lui a pris, et qui lui a pris d’une façon ridicule, en allant voir coucher le soleil
.
.
Victor Hugo, Les Orientales (prefácio), 1829
.
.
.
Cantar por cantar, dizer por dizer. Não pensar. Não sentir. Apenas a palavra. O verso. Cor e exotismo.
.
.
.

Eugène Delacroix. Femmes d'Alger dans leur intérieur, 1849
.
.
.
Si je n'étais captive,
J'aimerais ce pays,
Et cette mer plaintive,
Et ces champs de maïs,
Et ces astres sans nombre,
Si le long du mur sombre
N'étincelait dans l'ombre
Le sabre des spahis...
Pourtant j'aime une rive
Où jamais des hivers
Le souffie froid n'arrive
Par des vitraux ouverts.
L'été, la pluie est chaude,
L'insecte vert qui rĂ´de
Luit, vivante émeraude,
Sous les brins d'herbe verts.
(…)
.
.
Victor Hugo. La Captive in Les Orientales.
.
.
.

.
.
.
.
Berlioz e Victor Hugo cruzam-se na sedução pelo mundo oriental, exótico de sons e aromas. Um mundo tão na moda na Paris das décadas de vinte e trinta. Partindo de Les Orientales de Victor Hugo, 1829, lânguido texto, Berlioz compõe várias melodias, entre elas La Captive.
É depois Victor Hugo quem lhe pede que faça a música de outros escritos seus. Cresce entre ambos uma recíproca admiração, cúmplice fascínio pelo Oriental, que marcaria as suas obras e voltaria a reuni-los em diversos trabalhos, a que podemos associar as não menos coloridas telas de Delacroix.
.
.
.
Berlioz, Victor Hugo, Delacroix, a segunda trindade, a grande Trindade Romântica.
.
.
.
.................................................Eugène Delacroix. Esboço para a Morte de Sardanapalus, c. 1827
.
.
.
Sardanapale é irmão de Assurbanipal, rei culto e nada dado a conflitos bélicos, que nomeara Sradanapale como regente de Babilónia. Traído, Assurbanipal terá cercado Babilónia, de modo a punir o irmão da sua traição. Eis que Sardanapale, sabedor da derrota, escolhe morrer, com todas as suas mulheres e escravos e incendiar a cidade.
.
La Mort de Sardanapale, 1929, é o quadro mais romântico de Delacroix e uma das suas obras maiores. Exposto no Salon de Paris, foi porém mal recebido pelo público, Victor Hugo, também ele seduzido pelo fascínio oriental, elogia a rejeição do belo e impiedade da cena. Berlioz, inclusivé pelo tema arrebatado, escreve a cantata La Mort de Sardanapale, com a qual, em 1830, ganha o Prix de Rome, o maior prémio artístico concedido pela Academia de Paris.
.
.
.
Eugène Delacroix. La mort de Sardanapale, 1829
..

.
A obra de Berlioz, romântico genuíno, onde proliferam as referências literárias, está por demais ligada à literatura. Virgílio, Shakespeare, Goethe, Byron, Victor Hugo… combinações instrumentais a servirem musicais textos, e, porque cor, as suas obras encontram eco também em vários pintores, Delacroix, Kreling, Turner, Waterhouse…
Das duas trindades, Goethe, Delacroix, Berlioz ou Victor Hugo, Delacroix, Berlioz, aparentemente nada os ligava. Inexistente qualquer afinidade. Porém, a mesma psicologia, sinais comuns de um tempo, a mesma expressão.
Todas as épocas têm uma raíz comum, similares matizes. Os mesmos traços, as mesmas apetências, trate-se de música, pintura, literatura… aquilo que se denomina de psicologia de época. E esta manifesta-se porque as artes interpretam e reflectem a ideologia social, aceitação ou protesto, ânimos ou desesperos. Clarões dos estados de alma.
.
.
.
Goethe. Fausto, 1808
Berlioz. La Damnation de Fauste, 1846
Delacroix. Faust litografias, 1828
Victor Hugo. Les Orientales, 1829
Berlioz. La Captive. Composta em 1832. Orquestrada em 1848
Delacroix. La mort de Sardanapale, 1829
Berlioz. La mort de Sardanapale (cantata), 1830
.
.

.
.
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
Eugène Delacroix (1798-1863)
Victor Hugo (1802-1855)
Hector Berlioz (1803-1869)

.

.

.


layouts myspacemyspace layout

2 comments:

Anonymous said...

Delacroix classificava a música de Berlioz como “heróica”, e este rotulava a sua “La Damnation de Faust” de “uma sinfonia descritiva, não uma ópera”.
E escrevia nas suas memórias:
“A música é a mais poética, a mais poderosa, a mais viva de todas as artes”.

Victor Hugo, Delacroix e Berlioz fazem parte integrante e importante da história cultural francesa, e surgem imediatamente após um período por muitos considerado pouco brilhante.
Na verdade, as primeiras décadas do século XIX são das mais “cinzentas” de França.
E para que a mudança acontecesse, muito contribuíram três figuras: Shakespeare, Beethoven e Goethe, amplamente divulgados a partir dos anos 30 desse século. Procuraram-se novas formas de expressão, e ignoraram-se as regras anteriores.
E então, Hugo, Delacroix e Berlioz inspiram-se no Renascimento humanista.
Mudavam-se os tempos.
As reacções não se fizeram esperar.
“Desafio quem quer que seja a citar uma tradição musical gloriosa que o senhor Berlioz tenha respeitado”, escrevia um crítico da época. Mas o compositor nada ligava a estas palavras, confiante na sua “guerra” às convenções. Escandalizando toda a sociedade ao dizer : “Se me agradar, caso com a filha de um carrasco, ou com uma negra”.

Quase dois séculos depois, todos estes enormes Vultos são reconhecidos e apreciados.
Génios.
Que ousaram romper o tecido conservador e tradicional até então reinante nas Artes, dando assim à Humanidade um fôlego brilhante de talento.

Talento igualmente demonstrado neste belo post, que este simples comentário espera não desvalorizar.

Obrigado.

Shake Speare

Flying words said...

Este comentário enriquece bem o meu texto :)

Berlioz era, sem dúvida, audaz, quer nas suas leituras e na forma como delas fazia eco nas suas composições, quer nas sua obra musical a quebrar convenções e regras, inclusivé nos seus andamentos então inovadores.

O que é curioso no triângulo Victor Hugo/Delacroix/Berlioz é que parece que nenhum dos primeiros gostava particularmente da música romântica, o que não impediu de admirarem Berlioz e estabelecerem relações de grande cumplicidade e mesmo amizade, a de Hugo e Berlioz mantém-se regular até ao exílio do primeiro.


Obrigada, uma vez mais :)